As emoções e o uso das interjeições


Quando, em criança, iniciamos os estudos da linguagem, aprendemos a dividir as palavras em categorias gramaticais. Essa divisão, que nos foi legada pelos gregos, é aplicada em todas as línguas ocidentais, dividindo o mundo em categorias, baseadas em Aristóteles. Dionísio de Trácia, gramático grego, aplicou à língua o que o filósofo havia criado. Os romanos, que se utilizaram dos saberes dos gregos, trouxeram-nas para o Latim que as disseminou através de suas conquistas, nas diversas línguas da Europa.
Tudo isso é para dizer que, como os homens, as palavras também possuem uma hierarquização. Substantivos, adjetivos e verbos referem-se a realidades extra-lingüísticas, enquanto as demais valem apenas intramuros, dentro da própria língua, tendo cada idioma suas palavras instrumentais, que nem sempre são as mesmas, nem sequer, às vezes têm correspondente nos demais. É o que acontece com artigos, preposições e conjunções, entre outras.
Mas queremos falar hoje de uma palavra pouco estudada, mas que traduz tão bem e tão rápido nossas emoções e sentimentos. Não chega a ser como dizia Bastos Tigre em relação à saudade: "Palavra doce, que traduz tanto amargor".
É a interjeição, pensada apenas, às vezes como um conjunto de ais, uis e ois, para exprimir dor ou alegria. Até Monteiro Lobato em Emília no País da Gramática, assim as representava. Sua história e seu valor, vão, no entanto, além disso. Estão inscritos na história da própria língua, como vetor da emoção do falante, pois entre as funções da língua está aquela de transmitir as emoções do falante, nem que seja apenas para ele mesmo. Quando damos uma topada, exclamamos impropérios, geralmente interjeições, e dado seu teor, preferimos que ninguém nos ouça.
A língua, ao lado de sua função de comunicar o que pensamos ao nosso interlocutor, possui também a função emotiva ou expressiva, para dar vazão ao nosso sentir, além de representar a realidade objetiva. A interjeição integra o grupo de formas de expressar o que sentimos e não consta apenas de gritos e sussurros. Muitas têm uma história e chegaram à forma abreviada depois de muitos anos de uso. Muitas delas têm uma origem escusa e imprópria, mas dentre as que podemos lembrar estão algumas bem nordestinas como "votes", "oxente" e "vixe".
Votes é formada de "Vou te esconjurar", oxente é a admiração presente em "ó gentes!", Vixe é a invocação à Virgem. Oxalá, homônimo da divindade africana, veio do árabe e significa "pela vontade de Alá".
Epa, eita, opa, upa eram formas de fazer andar os animais de transporte. Essa última adquiriu foros de nobreza ao ser usada por Edu Lobo, na sua bela música “Upa, Negrinho”.
Outras interjeições nordestinas são facilmente compreendidas: priu, soando como apito final, é peia, já com pouco uso, e o nosso pronto, de usos múltiplos.
Muitas outras são de uso nacional e servem como desabafo ou incentivo: Abaixo! Fora! Morra! Viva! Fera! Beleza! Valeu! Uau! Lindo! expressam nossa admiração e entusiasmo, assim como É isso aí! Puxa ou ainda Puxa, vida é a constatação de uma dificuldade.
Cruz! Credo! é para exorcizar ou demonstrar espanto e desaprovação. Oi, pequeno e expressivo, foi encampado como marca de objeto. Chau caiu em nosso gosto, vindo da Itália, do difícil dialeto veneziano. O Sul do País contribui com tchê, à la putcha; São Paulo com ué; Minas com o característico uai. De Portugal, sabemos pouco: apenas ó, pá! e giro que é mais um adjetivo.
Como a interjeição não é estudada e é mais usada na fala, não sabemos os usos das terras onde não vivemos.
Todos sabemos muitas que não vamos aqui repetir e que se originaram de palavrões, alguns até já descontaminados do sentido pejorativo, usados apenas como intensidade.
Assim é a língua, com sua lógica própria: ajuda-nos a expressar o sentimento com uma minúscula palavrinha, que nem sequer é incluída na sintaxe da frase, dizendo com isso mais do que às vezes, uma frase completa.
Fonte: intervox.nce.ufrj.br

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